Ian M Danilevicz | 12/08/2018
Motivação
Na base de dados do SINAN, temos três informações de localização geográficas, são elas: o local de residência da vítima, o local de ocorrência do crime e onde este foi notificado. Em um post anterior, Juliana Freitas já identificou que em mais de 50% dos casos notificados esses três locais são os mesmos, sendo que a identificação entre residência e ocorrência é de aproximadamente 65%, ver O que as localizações de cada crime de estupro têm a nos dizer. Portanto a localização mais destoante é o local de notificação do crime.
As duas hipóteses iniciais sobre essa divergência são: falta de serviços adequados para receber essa demanda e/ou constrangimento da vítima em relatar o ocorrido para profissionais que pertencem a mesma comunidade. Essas hipóteses são difíceis de serem verificadas apenas numa análise quantitativa, assim como é difícil decidir quais cidades investigar para termos um modelo do fluxo deste fenômeno. Num primeiro momento, decidimos investigar a região metropolitana de Belém, sobre a qual já temos uma investigação anterior de cunho quantitativo e qualitativo, ver O poder público só nos vê quando a gente tomba de Andrea Dip e Bruno Fonseca.
A nossa ideia é bastante simples, consiste em observar os fluxogramas entre os locais de residência das vítimas e onde elas notificaram os crimes nos anos de 2011 a 2016, que correspondem as bases de dados que temos acesso. Um fluxograma funciona como um gráfico migratório que mostra quais municípios recebem migrantes, quais enviam migrantes, quais realizam os dois papeis e quais são as “ilhas” ou municípios isolados. No caso de nossa análise, ao invés de imigrantes temos mulheres que estão notificando crimes. Veja um exemplo interativo de highcharts sankey-diagram.
Belém do Pará
A região metropolitana de Belém (RMB) apresenta um fluxograma relativamente simples, pois é formada por apenas sete municípios, são eles: Ananindeua, Belém, Benevides, Castanhal, Marituba, Santa Bárbara do Pará e Santa Izabel do Pará. Além disso, existe uma única Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) conforme a reportagem de Andrea Dip e Bruno Fonseca na RMB. Essa DEAM está localizada na cidade de Belém, mas precisa atender a população de toda a região metropolitana. Embora a notificação possa ser feita em qualquer delegacia, é natural esperar um fluxo das outras cidades para a capital em razão do serviço especializado.
Seguimos com uma descrição sucinta dos dados apresentados nos gráficos. Em 2011 tivemos 733 notificações em Belém, destas 468 (63,8%) residiam na cidade, mas 181 (24,7%) residiam em Ananindeua, cidade lindeira e segunda mais populosa da região. Não ocorreu nenhuma notificação fora da capital. Em 2012 aconteceram 851 notificações em Belém e duas notificações em outras cidades. Das notificações na capital 579 (68,0%) são da própria capital e 169 (19,9%) são de Ananindeua. Em 2013 foram 843 notificações em Belém e novamente duas em outros municípios. Sendo que das notificações em Belém 558 (66,2%) são da própria cidade e 266 (66,2%) são de Ananindeua. Em 2014 foram 772 notificações na capital e 5 noutros municípios. Dos casos notificados em Belém 497 (64,4%) provém da própia capital e 183 (23,7%) são provenientes de Ananindeua. Em 2015 tivemos um total de 750 notificações em Belém e 14 nas demais cidades. Sendo que dos casos registrados em Belém 471 (62,8%) são de Belém e 183 (24,4%) são de Ananindeua. Finalmente, em 2016 temos 764 casos notificados em Belém e 12 nos demais municípios. Dos casos notificados na capital 510 (66,8%) são de residentes da capital enquanto 183 (24,0%) são de Ananindeua. Além disso, nenhum dos 35 casos de notificação ocorridos fora de Belém representam fluxo entre cidades, ou seja, são casos em que os locais de residência e notificação são os mesmos.
Temos pelo menos duas conclusões óbvias para essa questão complexa, considerando o que é notificado. Primeiro, Belém funciona como um pólo atrator de denúncias, mesmo que o serviço oferecido pela DEAM não seja o mais adequado, os serviços oferecidos nas demais cidades pelas delegacias normais é próximo de zero. Segundo, Ananindeua representa entre 19,9% e 31,6% das notificações de Belém, sendo uma cidade populosa e com altos índices de violência contra a mulher, carecendo por esses motivos de ao menos uma unidade de DEAM.
Fazemos uma ressalva fortíssima na questão da implantação de novas DEAM, pois elas sozinhas não asseguram atendimento qualificado, ágil e eficiente, conforme criticou a jornalista e ativista Flávia Ribeiro, ver a parte da entrevista em O poder público só nos vê quando a gente tomba de Andrea Dip e Bruno Fonseca. Muitas vezes, mesmo o local que deveria ser o promotor de políticas públicas para a segurança das mulheres não oferece esse serviço de forma adequada por falta de capacitação da equipe, pessoal insuficiente e falta de equipamentos.
Outros questionamentos
Seguem em aberto ao menos duas questões. Primeiro, como funcionam as outras regiões metropolitanas, muitas das quais com mais DEAM, mas não necessariamente apresentando atendimentos adequados às vítimas. Segundo, como é o fluxograma em regiões do interior que estão longe das capitais ou grandes cidades com serviços especializados.
- Observação: os dados de 2015 e 2016 não estão consolidados.
Agradecimentos
À Juliana Freitas, Rumenick Pereira, Douglas Azevedo e Emilly Malveira.