Dados de Estupro em Mulheres no Brasil

Larissa Sayuri Futino C. dos Santos | 17/12/2018

Dados: opções e disponibilidade

No post A problemática do acesso a dados relacionados ao crime de estupro no Brasil discutimos o acesso aos dados referentes à notificação de crime de estupro no Brasil. Nele, apresentamos a existência de duas fontes de dados: (a) Ministério da Saúde (MS) e (b) Secretarias de Segurança Públicas (SSP) através de boletins de ocorrência (BO).

Como esclarecido e justificado no post mencionado, trabalhamos com os dados do MS, porém, é importante reconhecer algumas possíveis limitações dessa escolha. A primeira comparação será em relação à quantidade de notificações em cada uma dessas fontes. Assim, vamos estabelecer diferenças nas quantidades de estupro notificados pelo MS e pelas SSPs no ano de 2016. Como não conseguimos acesso aos dados das SSPs, tomamos como base o Relatório do Atlas da Violência 2018, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), página 58.

Na Tabela 6.5 desse relatório são listadas os totais notificados com dados VIVA/SINAN (nossa fonte de dados) e a partir de coleta, organização e consolidação de dados das SSPs pelas autoras e pelos autores do relatório FBSP, por unidade da federação (UF). Essas quantidades podem ser visualizadas na Figura 01 a seguir. Nela, as quantidades de cada fonte de dados são representadas com pontos no gráfico; os que estão em amarelo são as notificações do SINAN, enquanto que os pontos azuis são os registros das SSPs . A diferença entre valores observados corresponde a uma linha horizontal ligando os pontos por fonte de dados. Essa linha recebe a cor da fonte de dados com maior número de ocorrência por estado. Por exemplo, vemos que no estado Rio Grande do Norte (RN), na região Nordeste, foram cerca de 4.000 notificações a partir de BOs e apenas algumas centenas de notificações pelo Sistema VIVA/SINAN e essa diferença é explicitada com a linha em cor amarela.

É bastante interessante perceber as diferenças em números absolutos, por estado, cabendo lembrar a enorme variabilidade de tamanho populacional entre eles. Também salta aos olhos a existência de UFs cujo número de notificações varia enormemente por fonte de dados. Por exemplo, os estados do Mato Grosso (MT), Pará (PA), São Paulo (SP) e Santa Catarina (SC). Por outro lado, os estados Goiás (GO), Piauí (PI), Pernambuco (PE), Alagoas (AL), Roraima (RR) e Espírito Santo (ES) tiveram a quantidade total de registros no ano de 2016 muito parecidas. Outro fato interessante a se chamar atenção é que em apenas 07 das 26 UFs (SE, RN, PQ, TO, RR, RO, AP e ES) o número de notificações pelo MS supera o número de notificações pelos órgãos de segurança (apenas 07 linhas amarelas). Isso mostra a diferença de quantidades notificadas por forma de notificação (base de dados).

Vamos, neste post falar um pouco sobre a fonte de dados utilizada pelo GESEM.

Dados de Saúde

Como fonte de dados principal utilizamos dados do Ministério da Saúde (abreviado aqui por MS). Uma vez que estupro é um crime (Artigos 213 e 217 do código penal e definição atualizada pela Lei nº 12.015 de 2009), não há dúvidas de que órgãos de segurança dispõem de dados sobre esse tipo específico de violência sexual. Todavia, para muitos não é evidente a razão pela qual órgãos de saúde coletariam e informariam dados de estupro.

É importante pontuar que uma vítima de tal crime pode precisar de inúmeras e diversas formas de assistência médica no âmbito físico e psicológico a curto, médio e longo prazo, como colocado nos estudos de Cláudia Oliveira Facuri, 20132.

Estupro é um crime (Artigos 213 e 217) do código penal e definição atualizada pela Lei nº 12.015 de 2009), porém pode ser que não seja evidente a razão pela qual órgãos de saúde coletam e informam esses dados. É importante pontuar que uma vítima de tal crime pode precisar de inúmeras e diversas formas de assistência médica no âmbito físico e psicológico a curto, médio e longo prazo, como colocado nos estudos de Cláudia Oliveira Facuri, 20132. O atendimento a essas vítimas é parte da política nacional de assistência a vítimas de violência e acidentes. Formalmente, ela se chama Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violência4 e busca promover saúde, qualidade de vida, equidade e cultura de paz tendo início em 2001. A implantação do Sistema VIVA, em 2006, é um marco decisivo nessa política uma vez que ele corresponde ao sistema unificado de coleta dos dados que fomentam a política.

Destacamos também que no caso de vítimas de estupro a realização de aborto é permitida por Decreto-Lei 2.848/40 o que reitera a notificação de tal crime pelo MS. Além disso, as vítimas atendidas em até 72 horas da ocorrência do crime podem passar por exames e procedimentos profiláticos de gravidez, AIDS, dentre outros como discutido na reportagem O que fazer em caso de estupro?.

Apesar da diferença de quantidades notificadas por forma de notificação (MS e SSPs) ser expressiva, como podemos ver na Figura 01, em algumas UFs a escolha da fonte de dados do MS foi favorável em decorrência dos seguintes aspectos:

  • a fonte de dados empregada dispõe de variáveis pertinentes para o estudo do crime tendo sido definidas por profissionais aptas ou aptos a fazê-lo.
  • as variáveis são padronizadas para o Brasil todo. Isso viabiliza comparações, isto é, a repetição sistemática da coleta dessa informação permitem uma avaliação histórica da evolução do fenômeno em estudo, inclusive entre as UFs.
  • o uso dessa base de dados é facilitado uma vez que a consolidação e unificação das informações são atividades desempenhadas por um único órgão, a nível federal. Dessa maneira, a solicitação desses dados exige a comunicação e trato com apenas uma entidade.
  • os dados podem ser enviados em formato eletrônico a partir de solicitação via Lei de Acesso à Informação. É importante destacar a eficiência e presteza dos profissionais destinados à realização desta atividade, entre o contato inicial até o envio da base passaram-se 10 dias.

Como mencionado em todos os nosso posts, nós utilizamos dados do sistema VIVA/SINAN1. Uma vez que ele compreende muitas variáveis e um ciclo complexo de consolidação dos dados vamos apresentar esses aspectos em postagem futura. É importante destacar que desde 2003 há Lei nº 10.778 que torna a notificação de casos de violência contra a mulher (o que inclui estupro) compulsória. Isso significa que a comunicação da ocorrência desse crime deve ser feita às autoridades sanitárias por profissionais de saúde ou qualquer cidadão, visando à adoção das medidas pertinentes. Além disso, em 2009, ocorreu alteração da definição de crime de estupro, de modo que dados anteriores a esse ano tornam-se incomparáveis. Ainda assim, os dados que nos foram disponibilizados são de notificações de 2011 a 2016, ocasião na qual se deu início a universalização da notificação de violência para todos os serviços de saúde.

É importante notificar os casos de estupro (opções: ligue 180 ou ir ao centro de saúde mais próximo).

Referências

1 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. “2ª edição do Viva: instrutivo de notificação de violência interpessoal e autoprovocada.” (2016).

2 Facuri, Cláudia de Oliveira, et al. “Violência sexual: estudo descritivo sobre as vítimas e o atendimento em um serviço universitário de referência no Estado de São Paulo, Brasil.” Cadernos de Saúde Pública 29 (2013): 889-898.

3 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. “SINAN - Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Série A Normas e Manuais Técnicos.” (2007).

4 Ministério da Saúde (BR). Política nacional de redução da morbimortalidade por acidentes e violências (2001).

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