Magno Tairone | 29/11/2018
O Portal da Transparência é uma importante ferramenta que permite o cidadão acompanhar informações sobre como o dinheiro público é utilizado. Desde que foi lançado, em 2004, o Portal ganhou prêmios e reconhecimento dentro1 e fora2 do Brasil devido à sua relevância. Apesar disso, a quantidade enorme de dados disponíveis cria uma barreira ao acesso de tanta informação, pois são inúmeras bases de dados que são alimentadas com uma frequência diária. Buscando aprimorar o acesso aos dados, o Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União, responsável pelo Portal, apresentou em julho deste ano melhorias significativas na plataforma.
Entretanto, alguns questionamentos ainda persistem. Um que já foi feito neste blog está relacionado aos dados sigilosos (veja este post aqui, e este aqui). De acordo com o próprio site do Portal, “as regras para proteção de informações variam de acordo com o assunto e com o órgão responsável pelo dado. O órgão responsável define as regras de restrição de acesso, que devem ser justificadas mediante sigilo ou classificação, conforme disposto nos artigos 22, 23 e 24 da Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação)”3.
O artigo 23 da Lei de Acesso à Informação4 enumera oito situações em que um dado pode ser considerado sigiloso, dentre os quais, pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional; oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País; e comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações. Além desta lei, o Decreto nº 7845/2012 regulamenta os procedimentos para credenciamento e tratamento de dados sigilosos.
Como vemos os dados sigilosos na prática?
Em relação à este tipo de dado, o Portal da Transparência não é tão veraz. Vamos considerar, por exemplo, os dados referentes à diárias de viagem a serviço, que são aquelas realizadas no interesse da administração, em território nacional ou estrangeiro5. O Portal disponibiliza dados de viagem desde janeiro de 2011, organizados em tabelas mensais. À cada valor de diária estão associados os órgãos Superior e Subordinado, a Unidade Gestora, o nome do servidor favorecido, a data de pagamento, entre outras informações.
Após pouco mais de sete anos de dados registrados, o portal apresenta 7.429.863 registros de pagamento de viagens a serviço. O valor médio pago pelo governo é de R$787,00, enquanto que a mediana é de R$442, sugerindo uma assimetria à direta. Curiosamente, 8303 dos valores pagos em diárias custaram menos que R$10,00. Dentre eles, o menor valor registrado é de R$0,02 (existem 150 deles no total). O gráfico abaixo mostra a quantidade de vezes que cada ministério recebeu um pagamento neste valor de R$0,02.
Agora vamos olhar para os 150 maiores valores registrados ao longo do período analisado. Eles somam um total de R$869.045.940,00. Veja no gráfico abaixo que a maior parte destes valores (58% dos 150, para ser exato) são dados cujo detalhamento das informações não está disponível.
Não podemos afirmar categoricamente que estes são dados sigilosos, uma vez que, em outras bases de dados do Portal, a palavra sigiloso aparece na descrição dos dados deste tipo. Entretanto, com base na Lei de Acesso à Informação, é razoável suspeitar que estes dados sem informação são sigilosos. Como mencionado anteriormente, nos dados de viagens a serviço temos diversas referências à quem recebeu o repasse, inclusive à qual instituição pública o funcionário que o recebeu está subordinado. Contudo, para os dados cujo detalhamento das informações não está disponível não há nenhuma referência a não ser o valor pago e a data. Não é possível saber, por exemplo, para qual ministério o valor foi destinado, além de que estes valores são muito superiores se comparados com os valores médios e medianos. Neste ponto, portanto, o Portal deixa de ser transparente.
Ao agregar os dados por mês ao longo dos mais de sete anos analisados, observamos que o valor médio gasto pelo governo federal com viagens a serviço é de R$67.208.216,00. Veja abaixo que o total mensal de gastos segue um padrão ao longo do ano, com excessão dos anos 2014 (ano da Copa do Mundo no Brasil) e 2016 (ano das Olimpíadas no Rio de Janeiro).
O gráfico abaixo mostra, para cada mês, a porcentagem de dados sem informação em relação ao total gasto naquele mês. Veja que, novamente, os anos 2014 e 2016apresentam um comportamento de crescimento da proporção dos dados sem detalhes que foge do padrão dos outros anos. Além deles, os primeiros meses do ano de 2018 apresentam uma proporção de dados sem informação bem acima da média, que é por volta de 15% do total.
O maior questionamento que fica é em relação à quão transparente o Portal de fato é. Certamente, uma infinidade de dados está disponível para consulta, embora muitos deles não são obtidos de forma simples, devido também ao tamanho das bases e de sua estrutura, requerendo certo conhecimento de processamento de dados para serem analisados, conhecimento este que boa parte da população brasileira não detém. O objetivo primordial do Portal da Transparência é dar ferramentas para o cidadão acompanhar as informações sobre como o dinheiro público é utilizado. Entretanto, em relação aos dados sigilosos e àqueles em que não há detalhes disponíveis, fica praticamente impossível acompanhar o destino da verba. É claro que não estamos propondo a quebra do sigilo destes dados, estamos sugerindo que pelo menos o órgão para qual o dado sigiloso foi destinado seja mostrado para que nós, cidadãos, possamos analisá-los.
Referências
1: http://www.portaltransparencia.gov.br/pagina-interna/603246-portal-premiado
2: http://www.cgu.gov.br/noticias/2009/10/brasil-expoe-transparencia-em-eventos-internacionais
3: http://www.portaltransparencia.gov.br/perguntas-frequentes/sobre-o-portal
4: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm
5: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5992.htm